Se a sua infância ocorreu entre os anos de 1960 e 2000, certamente conhece algo semelhante. Essa é uma história real, com desfecho surpreendente e emblemático. Nada de sensacionalismo, mas sim de uma daquelas típicas peças pregadas pelo destino.
Minha avó guardava inúmeras fotos em caixas e mais caixas de sapato. Algo comum na época, que se tornou objeto de pesquisa dos sociólogos franceses Pierre Bourdieu e Marie-Claire Bourdieu, no início dos anos 60, e intitulada “O camponês e a fotografia”.
As visitas eram, em algum momento, convidadas a se sentarem no sofá da sala para apreciar as fotos. Enquanto folheavam os pequenos álbuns caseiros, minha avó sentava ao lado para contar a história de cada pessoa presente nas imagens.
Eu mesmo perdi as contas de quantas vezes minha avó mostrou as mesmas fotos e contou novamente as mesmas histórias. Gente que nunca vi, mas passei a conhecer através das caixas de sapato da minha avó. Um misto entre acervo imagético e cultura oral, pois a sua voz estava sempre ao lado contando as histórias memorizadas pelas fotos.
Ver as fotos da minha avó era sempre uma experiência coletiva. Juntos, todos se revezavam em cada álbum ou foto solta, sempre na companhia da minha avó que contava histórias como "olha meu filho, esse menino aqui estudou com a sua mãe; essa aqui é sua mãe vinha juntas da escola", e coisas assim.
Nada dura para sempre...
Com o falecimento dos meus avós, houve dificuldade em encontrar um acordo livremente consentido entre os filhos sobre a divisão dos bens. Casa e sítio permaneceram então fechados até que uma solução palpável concluísse a questão.
Como era de se esperar, uma velha casa de madeira, fechada e abandonada em um sítio desabitado, transformou-se em criadouro de traças, aranhas, cupins e morcegos.
Chegou a ser invadida, e tudo o que havia dentro foi revirado. Parte do telhado caiu; sol, chuva e mais poeira passaram a conviver diariamente com os objetos confinados na velha casa esquecida.
O Reencontro
Quando finalmente reaberta, pouco ou quase nada pôde se aproveitar. As péssimas condições em que os desbravadores encontravam a casa transformavam suas lembranças do passado em fantasmas na forma de teias de aranha, morcegos, traças, cupins, mofo e muita sujeira.
Os herdeiros revesavam entre si o ato de vasculhar cada armário, casa gaveta, cada caixa fechada. Cada abertura era acompanha de lembranças, emoções, e lágrimas, muitas lágrimas.
Mas uma gaveta logo se revelou especial: lá estavam as velhas caixas de sapato da minha avó, com todas as fotos que tanto vimos quando em suas visitas imortalizadas no tempo.
Nem todas tinham qualidade. Eram analógicas, a grande maioria de câmeras compactas destinadas ao uso doméstico, por gente não iniciada na fotografia.
Estavam todas lá, preservadas pelo tempo, resistindo ferozmente às traças e todas as outras ameaças que haviam ao redor.
A grande surpresa...
Em uma segunda gaveta, uma surpresa ainda mais inusitada: fotos nunca antes mostradas pela minha avó, pelo menos em nossas lembranças mais recentes.
Fotos dos filhos ainda bebês, dos tios que não conheci porque faleceram ainda crianças, dos meus avós ainda solteiros, … todas intactas. Um verdadeiro choque em todos que estavam presentes.
Lembrança que inspira
Essa história me arrepia. Sempre que pego na câmera para fotografar, essa é uma das minhas maiores inspirações.
Nessa história, as fotos ficaram, por muito tempo, esquecidas e “perdidas” nos limbos das gavetas e caixas de sapato da minha avó. Mas o tempo as revelou precisosas e de valor inestimável.
Seus valores são tão altos que tornaram objetos de disputa judicial. Nunca imaginei, durante a minha infância, que aquelas fotos que já estávamos entediados de tanto vê-las repetidas vezes um dia representasse tudo o que passou a representar com o tempo.
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