24/02/2025 às 11:23 Memórias em foco

Das caixas de sapato às lembranças que resistem ao tempo

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As visitas à casa da minha avó sempre seguiam um ritual. Em algum momento, éramos convidados a nos sentar no sofá da sala para apreciar as fotos. Ela trazia os pequenos álbuns caseiros e, enquanto folheávamos as páginas, sentava-se ao nosso lado para narrar a história por trás de cada imagem.

Por João Alberto da Silva - Fotógrafo


Fotos espalhadas pelo Sofá. Essa é uma das lembranças vivas que tenho da casa da minha avó quando íamos visitá-la.

Quantas vezes eu ouvi as mesmas histórias? Perdi as contas. Gente que nunca conheci, mas que passei a reconhecer como parte da minha própria história, graças às caixas de sapato da minha avó. Era um acervo único, onde o visual se misturava ao oral. Sua voz era o fio condutor que dava vida às fotos, transformando-as em memórias vivas.

“Olha, meu filho, esse menino aqui estudou com a sua mãe”, ela dizia, apontando para uma foto desbotada. “Essa aqui é sua mãe voltando da escola.” E assim, foto após foto, ela costurava o passado ao presente, unindo gerações.

Como tudo na vida, nada dura para sempre.

Com o falecimento dos meus avós, a casa e o sítio ficaram fechados, à espera de um acordo entre os herdeiros. O tempo, implacável, fez seu trabalho. A velha casa de madeira, abandonada em um sítio desabitado, tornou-se um refúgio para traças, aranhas, cupins e morcegos. O telhado cedeu, o sol e a chuva entraram, e a poeira cobriu tudo o que um dia foi precioso.

Quando finalmente reabriram a casa, o cenário era desolador. Móveis destruídos, objetos revirados, lembranças transformadas em fantasmas cobertos de teias e mofo. Cada gaveta aberta, cada armário vasculhado, era acompanhado de suspiros, lágrimas e memórias que voltavam à tona.

É difícil acreditar que um lugar movimentado e cheio de vida, que tanto marcou nossa infância, um dia poderia estar assim: escuro, abandonado, cheio de mato, sujeira e entulho. Da vida à tristeza, um local abanonado.


Até que encontraram uma gaveta especial.

Lá estavam as caixas de sapato da minha avó, intactas. Dentro delas, as mesmas fotos que tantas vezes havíamos visto em suas mãos. Imagens analógicas, tiradas de câmeras compactas, sem pretensão artística, mas carregadas de significado. Elas haviam resistido ao tempo, às traças, à umidade e ao abandono.

E então, uma surpresa.

Em outra gaveta, fotos que nunca havíamos visto. Imagens dos meus tios ainda bebês, dos meus avós jovens e sorridentes, de parentes que partiram cedo demais para que eu os conhecesse. Era como se o passado estivesse se revelando, mostrando um lado da família que até então era apenas uma sombra.

Na busca por algo que poderia ser encontrado, uma gaveta cheia de revelações e de histórias. Bem que eu gostaria de saber o que passou pela cabeça deles quando minha mãe abriu a gaveta.

Essa história me arrepia até hoje. Sempre que pego uma câmera, lembro-me daquelas caixas de sapato e do poder que uma simples foto tem de preservar memórias. Por anos, aquelas imagens ficaram esquecidas, guardadas em gavetas poeirentas, mas o tempo as transformou em relíquias.

Hoje, elas são mais do que fotos. São heranças de valor inestimável, objetos de disputa judicial, sim, mas também testemunhas silenciosas de uma história que não pode ser apagada. E eu, que um dia me entediei de tanto vê-las, hoje entendo o peso que carregam.

É por essas e outras que, quando alguém pergunta tiro fotos, respondo que não. Não sou um tirador de fotos. Sou sim um guardião de memórias, contador de histórias, estimulador de lembranças. Que graça haveria em tirar fotos se não pudesse estimular tudo isso?

Elas são a prova de que, mesmo quando tudo parece perdido, algumas memórias resistem. E é por isso que eu fotografo: para que, um dia, minhas fotos também possam contar histórias que o tempo não apagará.

E você, já pensou nas fotos que guarda?

A tenologia evoluiu; tudo mudou. Mas a verdadeira essência da fotografia permanece exatamente a mesma. Essa é eterna. Digital ou analógica, todo fotografia tem uma história a contar.

Quantas memórias estão escondidas em álbuns, caixas ou gavetas da sua casa? Quantas histórias seus avós, pais ou tios contaram enquanto mostravam aquelas imagens desbotadas pelo tempo?


Este texto é um convite para você revisitar essas fotos, para resgatar as histórias que elas carregam e, quem sabe, compartilhá-las com quem você ama. Afinal, são essas pequenas lembranças que tecem a tapeçaria das nossas vidas.

Deixe nos comentários: qual é a foto mais especial da sua família? Ou, se preferir, compartilhe uma história que uma foto antiga despertou em você. Vamos juntos manter essas memórias vivas!

24 Fev 2025

Das caixas de sapato às lembranças que resistem ao tempo

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